sábado, 15 de maio de 2010

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Este é um dos textos utilizados na oficina.


A FUNÇÃO DO SUJEITO

Adriana Falcão


- Anotem aí. Análise sintática. Sujeito simples.
- Acho difícil, professor. Os sujeitos geralmente são muito complicados.
- Nem sempre. Querem ver? Qual o sujeito da frase “Maria vai ao cinema”?
- Quem é Maria?
- O sujeito da frase, ora.
- Isso eu sei. A questão é que existem muitas Marias no Brasil. Eu quero saber de qual delas o senhor está falando.
- Tanto faz. Eu usei o nome Maria como exemplo.
- De alguém que vai ao cinema.
- Exatamente.
- O senhor sabe quanto está o preço do ingresso?
- A pergunta em questão não é essa. Eu perguntei qual era o sujeito da frase.
- Depende da Maria. E do salário dela. Grande parte das Marias brasileiras não tem dinheiro pra ir ao cinema.
- A aula é de português, e não de economia, meu filho!
- Sem falar que a maioria dos municípios brasileiros não tem cinema. O que já prejudica também o predicado da frase.
- Tudo bem. Muda-se o exemplo. “Maria está assistindo à novela”. Pode ser?
- Pode. Mas eu, se fosse Maria, desligava a televisão e ia ler um livro.
- “Maria lê um livro” está bom para você?
- Deve estar melhor para Maria. Qual é o livro?
- “Como lidar com alunos irritantes”.
- É auto-ajuda?
- Digamos que sim.
- E Maria é professora?
- Maria pode ser quem você bem entender.
- Se, além de termo essencial da oração, Maria é professora, talvez o livro sirva para ela.
- Pelo visto, além de ser bom em chatear os outros, você também é ótimo em análise sintática.
- Mas se Maria não é professora, por que ela não lê um romance? Uma novela? Crônicas!
- “Maria lê um livro de crônicas de Rubem Braga.” Qual a função de “Rubem Braga” na frase?
- Depende da crônica. Em se tratando de uma crônica engraçada, divertir. Em se tratando de uma romântica, emocionar. E por aí vai.
- Por aí não vai. Eu estou tentando dar uma aula de análise sintática e você não está deixando.
- Orações coordenadas descoordenadas. O senhor está dando uma aula de análise sintática e eu apenas estou tentando aprofundar os assuntos.
- Ótimo exemplo. Qual a função de “aprofundar os assuntos”?
- Ora, professor, é gerar discussões inteligentes. Criar oportunidades para os alunos participarem da aula.
- Mas você não está deixando ninguém participar da aula! Só quem fala aqui é você.
- É o que eu falo. As pessoas estão muito passivas. É por isso que eu estou levantando questões de grande importância para provocar alguma reação.
- A análise sintática é uma questão de grande importância!
- Até certo ponto. Se João mata Maria, por exemplo, temos várias questões envolvidas aí e a análise sintática é apenas uma delas. Por que ele a matou? Seria um típico caso de violência contra a mulher? Um crime passional? Um latrocínio? João foi preso? Se é que ele foi, terá recebido um bom tratamento no presídio? Ou terá sido vítima do descaso das autoridades com relação ao sistema penitenciário que deveria reintegrar o sujeito da frase à sociedade?
- Desisto. Você é impossível. “Você”, sujeito da frase, “é”, terceira pessoa do presente indicativo do verbo ser, “impossível”, ou muito difícil, ou insuportável, ou intolerável, segundo o Aurélio. E qual a função do sujeito? Atrapalhar a minha aula.
- Desculpa, professor. Eu só queria provar que os sujeitos, em geral, são muito complicados.

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